segunda-feira, 25 de março de 2013

Diário De Um Esquizofrênico

Eu resolvi escrever um livro e um dos personagens que criei ficou muito emocionado com o fato de poder existir em um mundo totalmente criado por um desconhecido. Tratou de ir à principal biblioteca de uma das cidades que inventei para saber mais sobre si mesmo. Não há melhor forma de saber o que é ser um personagem e estar em uma história do que ler sobre outros personagens e outras histórias. Lá ele passou a maior parte de suas primeiras horas de existência e pôde ler obras maravilhosas de antigos escritores deste velho mundo criado tão recentemente. Era realmente encantador passar várias horas de fantasia com aquela vasta literatura. João, este meu personagem, percebeu que o destino de cada personagem das histórias que ele lia era imprevisível, mas que, aparentemente, ele poderia utilizar certas técnicas para garantir um final feliz para si mesmo. "Geralmente são os mocinhos que vivem felizes para sempre" pensou ele consigo mesmo, falando bem baixinho.

João cada vez mais entrava de cabeça em seu complexo existencial, o complexo que quase todo personagem de crônica possui. "Existir em uma crônica exige muita responsabilidade". Ciente de que os mocinhos sempre se dão bem no fim da história, ele resolveu matar todos os personagens que poderiam parecer mais bondosos do que ele. Não bastava tentar fazer o bem para todos os moradores da cidade, como fez nas primeiras semanas, pois poderia haver algum personagem mais bondoso do que ele em outro canto daquela grande cidade. Isso o atormentava dia e noite: a possibilidade de apenas o mais virtuoso ser  feliz no fim da história.

João matou primeiramente o padeiro. Este parecia ser dotado de um belo coração. Sempre dava pão e leite para os gatos, cachorros e moradores de rua. João teve que ser rápido e matá-lo antes dele se tornar um grande candidato ao papel principal. As outras mortes foram menos agonizantes para a consciência de João, ele já havia se acostumado a não se comover com o sofrimento alheio. Quanto mais ele matava maior era a sua frieza e a sua necessidade de matar.

Em meio a tanto sangue João acabou por se apaixonar. Resolveu entregar-se ao amor supondo que isso talvez trouxesse alguma vantagem na luta pelo tão cobiçado "feliz para sempre". Mas vendo a grande generosidade de sua amada temeu perder o seu desejado lugar na trama e optou por também assassiná-la.

Com o passar do tempo, entretanto, a polícia começou a desconfiar de todas estas coincidências e resolveu visitá-lo. João temia ser preso. Isso poderia fazê-lo perder pontos com os leitores e com o roteirista. Fugiu dali o mais rápido que pôde. Chegando perto de um banco entrou nele e usou uma mulher como refém. Pensou que os policiais não teriam coragem de atirar nestas circunstancias.

O ambiente de suspense deu lugar a longas discussões, gritos choros e, em certos momentos, um insuportável silêncio. Em um destes momentos, um momento de distração, a refém se desvencilhou de João. Nosso mais famoso personagem morreu com cinco tiros no peito dados pelos policiais que ali se encontravam.

Ele não morreu como herói, talvez um herói de uma tragédia grega. Talvez ainda tenha sido um anti-herói ou um vilão. Na verdade cada pessoa que lê a história de João diz que ele é uma coisa.

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