quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Aniquilacionismo, Cristologia e Existência Necessária

Creio que uma questão muito importante pode ser levantada quando partimos do pressuposto de que o aniquilacionismo é verdadeiro. A crença na doutrina, erroneamente chamada de "sono da alma", quer dizer que Jesus necessariamente deixou de existir em um breve momento?

Pelo que podemos verificar nos escritos neotestamentários este parece ser o caso. Segundo Paulo e os demais escritores, Jesus esteve totalmente em um estado de "sono" e sujeito ao socorro divino. Existem vários textos que defendem esta idéia. Pedro, por exemplo, em Atos 2 cita o Salmo 16. 8 ao falar sobre Jesus e defende o aniquilacionismo nos versículos 34 e 35 ao dizer:

"Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio declara: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés."

Ao contrário do que Norman Geisler afirma em seu livro Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e "Contradições" da Bíblia, Pedro não diz que Davi não subiu corporalmente ao céu, mas sim que Davi realmente não subiu. O apóstolo ensina que Davi não preenche os requisitos necessários, que não é um morto que está a direita de Deus. Somente Jesus depois de ressussitado, segundo ele, preenche a citação.

Paulo também em 1 Corintios 15. 20 fala acerca da morte de Jesus: "Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem." Na visão paulina, Jesus "dormiu" assim como todos os demais mortos.

Diante desta afirmação vejo que é necessário que coloquemos a doutrina bíblica da inerrância em questão, pois como conhecedor das obras de Anselmo de Cantuária, René Descartes e demais obras filosóficas cristãs vejo como um erro atribuir a Jesus a mesma condição dos outros mortos por vários motivos. Partindo da crença de que Jesus é Deus e que Deus é definido como um Ser perfeito e que uma das suas perfeições é a existência necessária, ou seja, não a simples existência, mas ser incapaz de não existir creio também que talvez os escritores bíblicos não possuiam consciência da implicação filosófica de se atribuir a Jesus a mesma condição dos demais mortos.

O aniquilacionismo e a divindade de Jesus são portanto inconciliáveis? Creio que não seja este o caso. Devemos lembrar que Jesus possuia uma dupla natureza. Partindo disso, podemos dizer que Ele é um caso à parte, pois houve apenas a aniquilação temporária de Sua natureza humana e que a Sua natureza divina, imortal, não física, eterna e necessária transcendeu à morte corpórea.

Assim Jesus, sendo Deus é um ser necessário em Sua natureza divina e o aniquilacionismo verdadeiro se aplicado apenas à natureza humana.

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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A Bíblia Diz Que o Diabo Corrompeu 1/3 dos Anjos de Deus?

A questão aqui não é falar acerca da realidade dos anjos e demônios, mas se uma perspectiva relacionada a eles pode ser biblicamente válida.

Esta crença tradicionalmente se baseia em uma interpretação tendenciosa de Apocalípse 12. Na verdade a Bíblia não diz que 1/3 dos anjos se rebelou contra Deus, nem que o diabo foi o principal responsável pela "queda angélica". O autor nos apresenta uma visão onde um dragão arrasta 1/3 das estrelas e as lança na Terra. Ele identifica o dragão como o diabo, mas nada diz acerca das estrelas. A única referência que o texto faz aos "anjos do diabo" se encontra nos versículos 7, 8 e 9, mas em um contexto bem diferente. Nota-se também que o texto não se refere à um momento anterior ao pecado humano.

A fragilidade da argumentação está no fato de o texto ser tão vago que permite as mais variadas interpretações e que a teoria proposta somente faz sentido quando já partimos da pressuposição de que ela é verdadeira. Existem vários elementos que fazem esta leitura muito improvável e fica claro que é forçada por parte de seus defensores.

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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Teismo, Niilismo e o Ateismo Militante

Marcos ficou surpreso ao ler o último livro de Paulo. Eles estudaram na mesma escola durante a adolescência. Foram grandes amigos. Mas Paulo tornara-se cristão? Como poderia o seu parceiro cético deixar o clube do ateísmo militante e abraçar uma bobagem daquelas? Não estava Paulo convícto, assim como ele, que Deus não passa de um mito a enganar pessoas ingênuas, promover exploração, obscurecer o conhecimento e impedir o avanço científico? Depois de tanto esforço, por parte do ateismo, Paulo jogaria tudo para o alto?

Não foi apenas Marcos que se surpreendera e se indignara com a alegada conversão do velho amigo. Seus colegas céticos receberam a mensagem com o mesmo espanto e revolta. "O brilhante Paulo?" Perguntavam alguns. E outros respondiam. "Sim. É ele." A questão é que ninguém entendia o que é que teria feito Paulo mudar de opinião de forma tão extrema.

Paulo foi pisoteado e ridicularizado através de todos os meios de comunicação por parte de seus antigos amigos e agora, mais novos adversários. Na internet só se falava que Paulo deixou uma mente brilhante para abraçar a crença em um "amigo imaginário". Ele teria que mais cedo ou mais tarde dar satisfação por este desserviço público.

Não demorou muito Paulo e Marcos foram convidados para um debate acerca da existência de Deus. Marcos estava muito pouco interessado em quais argumentos Paulo se baseava para crer que Deus existe. Tratou de atacar o velho companheiro de ateísmo militante, dizendo que a religião é uma praga que deve ser eliminada da sociedade. Defendeu que desde sempre existiram guerras santas, perseguições religiosas e muitos pregadores que se aproveitam das pessoas por causa dela. Disse também que a religião sempre carregou explicações supersticiosas do mundo, nos incapacitando de abraçar a verdade e avançar na área do conhecimento científico.

Paulo porém, se defendeu em sua réplica e se limitou a propor o seguinte silogismo:

1. Se Deus não existe, a vida e a filosofia não possuem um significado objetivo;

2. A vida e a filosofia possuem um significado objetivo;

3. Logo, Deus existe.

Paulo prosseguiu dizendo que todos não estavam ali para ver o debate por acaso. A questão é que todos no seu íntimo criam que a vida e que a filosofia tinham um significado e por isso a verdade sobre esta e outras questões tinha muito valor.

Marcos, pois logo a objetar:

"Não seja desonesto.  A segunda premissa do argumento é falsa!!!! Nós só nos sentimos emocionalmente inclinados a crer que ela é verdadeira! Como você pode ser tão estúpido em um debate tão importante?"

Paulo, porém calmamente respondeu:

"Eu sinceramente não estou aberto a ouvir a sua objeção, pois não creio ainda que eu esteja sendo incoerente. Considerando que a segunda premissa seja falsa poderemos propor o que foi dito anteriormente da seguinte maneira:

1. Se Deus não existe, a vida e a filosofia não possuem um significado objetivo;

2. A vida e a filosofia não possuem um significado objetivo;

3. Logo, este debate é inútil e tanto faz em que acreditamos e o que fazemos com a nossa vida.

Lembrem-se que vocês é que de certa forma, sustentam a segunda premissa da primeira proposta. Se a premissa desta segunda proposta for verdadeira não estou sendo incoerente. A questão é que vocês sempre estarão errados.

Mesmo que o ateísmo seja verdadeiro isto não quer dizer que o ateismo militante também seja. Diante do niilismo ateista não há nada além de um vazio existêncial e filosófico. Se um teista está sendo fantasioso ao dar um significado para a existência o ateu militante está cometendo o mesmo equívoco disfarçadamente.

Realmente há sentido em uma pessoa se opor as superstições dizendo que elas obscurecem a verdade ou se opor à repressão religiosa. Não há nenhum problema em se opor à imoralidade de teístas ou de sistemas religiosos. É muito sábio opor-se pelo bem da vida, mas não é coerente opor-se a idéia de Deus, pois o sentido da vida defendido se perde e se torna inalcansável. O homem nunca mais será homem sem Deus. Não haverá nenhum sentido para as suas faculdades, sejam elas morais ou intelectuais. Sem Deus tudo o que nos resta é um grande vazio e não existe um sentido em um mundo sem Ele mesmo que Ele não exista. Para um ateu o sentido do ateísmo pode estar no fato de Deus não existir, mas se Deus não existe não há sentido nenhum."

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sábado, 12 de fevereiro de 2011

O Problema do Mal

A principal objeção feita à existência de um Deus benevolente é aquilo que podemos chamar de "o problema do mal". Este argumento já foi muito mais forte no campo filosófico. Na atualidade é racionalmente, não emocionalmente, muito frágil. Desde Epicuro já foram apresentadas muitas formulações de tal argumento, mas todas elas tem igualmente se mostrado filosóficamente insatisfatórias.

A natureza do argumento consiste em alegar que há uma contradição entre a existência de um Deus benevolente e o mal no mundo. O problema é que essa possível contradição não está explícita aqui:

a) O mal existe;
b) Um Deus benevolente existe.

O argumento acima pode ser proposto da seguinte maneira:

1. Se x, logo y;
2. X, logo y.

A formulação se x, logo y quer dizer que certamente ou provavelmente um Deus benevolente não existe dada à realidade do mal, mas não apresenta, como dito anteriormente, nenhuma contradição entre ambas as afirmações. E por que não está explícito? Como propõe Alvin Plantinga, Deus pode possuir motivos moralmente justificáveis para a existência do mal:

1. O mal existe;
2. Um Deus benevolente existe;
3. Deus pode possuir motivos moralmente justificáveis para a existência do mal;
4. Logo, também é possível que um Deus benevolente e o mal existam.

Cientes desta possibilidade, podemos notar que a formulação anterior torna-se um non sequitur, pois y não é uma consequência necessária de x. Caberia aqui a quem defende tal argumento apresentar bons argumentos também para que pensemos que Deus, se existisse, não possuiria tais motivos, do contrário o argumentador estaria a apresentar uma falsa dicotomia. A questão aqui não é "quais são as motivações divinas?", mas "é possível que hajam motivações divinas?"

Eu gostaria de ir além do que é dito por Plantinga e dizer não que Deus pode possuir motivações moralmente justificáveis para a existência do mal, mas que Ele certamente as possui. Creio que a própria idéia, proposta anteriormente não está totalmente correta ao considerar a possibilidade,  pois a alegação de que Deus certamente possui está implícito aqui. Não ignoro que existem muitas explicações fantasiosas de quais seriam estes motivos divinos, mas creio que é possível provar que Deus os tem:

1. O mal existe;
2. O mal não corresponde a um padrão divino, que é bom;
3. Logo, um Deus bom existe e se um Deus bom existe, Ele possui motivos moralmente justificáveis para a existência do mal.

A questão é que se Deus não existe, valores morais objetivos e sentido objetivo para a existência não existem. O materialismo é tudo o que temos. As alegações "Deus não existe" e "o mal existe" são contraditórias, pois o mal não pode existir se Deus não existir.

a) Se Deus não existe o mal não existe;
b) O mal não pode ser prova da inexistência de Deus.

Considerando a idéia de que Deus não existe, práticas imorais como o estupro ou uma simples morte em um acidente de carro não podem ser coisas objetivamente negativas, mas unicamente desagradáveis ou socialmente condenadas.

Através da idéia de que o mal existe não chegamos simplesmente à questão da existência de Deus, mas também de Seu Perfeito caráter. O mal nunca pode ser uma prova da inexistência de Deus ou de Sua fragilidade moral, mas uma prova de Sua existência.

A idéia de um "Deus mau" não é concebível no cristianismo pelo fato dele ser uma religião monoteista. Esta idéia de um deus mau somente é concebível dentro de uma perspectiva politeista onde um deus menor não corresponde à moralidade de uma entidade maior e moralmente perfeita. Parece-me uma contradição enorme dizer que o Deus cristão é mau por permitir o mal no mundo quando fazer tal juízo moral sobre Ele levaría-nos à um padrão de uma divindade superior que também estaria permitindo a mesma coisa. Isto é multiplicar respostas quando devemos simplificá-las.

Lógico que creio na existência de um Deus sensível ao sofrimento, mas este fato não cancela a resposta dada anteriormente.

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Deus Sofredor do Cristianismo

"Um Deus que não pode sofrer é mais pobre do que qualquer ser humano. Pois um Deus que é incapaz de sofrer é um ser que não se envolve de forma relacional. O sofrimento e a injustiça não o afetam. E pelo fato dele ser tão absolutamente insensível, nada pode afeta-lo ou abala-lo. Ele não pode chorar, pois não possui lágrimas. Contudo, quem é incapaz de sofrer também é incapaz de amar. Assim, ele é também um ser destituído de amor."
Jürgem Moltmann, “The Crucified God: The Cross of Christ as the Foundation and Criticism of Christian Theology”.p. 329.

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domingo, 6 de fevereiro de 2011

Um Aniquilacionista Precisa Ser Necessariamente Um Materialista?

Não. Um grande equívoco cometido tanto por aqueles que defendem o mortalismo cristão quanto por aqueles que defendem o imortalismo é a crença de que o primeiro implica necessariamente em alguma forma de materialismo teísta e a de que os atos humanos estão simplesmente limitados aos processos cerebrais.

Creio que o aniquilacionismo e a crença em uma alma imaterial (ou de algo não tão complexo assim) podem ser racionalmente conciliados quando teorizamos a existência de uma "alma" imaterial além do corpo, mas que morre juntamente com ele. Na ressurreição, esta "alma" poderia ser restaurada e Deus acabaria conservando a identidade de todas as pessoas, as salvas ou não, para toda à eternidade. Esta é porém, apenas mais uma entre tantas outras teorias que podem ser desenvolvidas. A questão é que independente de para onde apontem as evidencias, contra ou a favor do materialismo, o aniquilacionismo segue sendo a melhor visão teológica no trato de tais questões.

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