terça-feira, 26 de novembro de 2013

Tendas Dos Cegos Caprichos

Segundo Baudelaire, Deus é o único ser que reina, mesmo se não existir. Isso é totalmente falso. Vivemos em um mundo onde vampiros, princesas, hobbits, saiajins também "reinam". Do mesmo modo, nosso mundo já foi "reinado" pelo nazismo, pelo geocentrismo e pelo escravismo negro mais explícito. Pode-se dizer que "reinar" não significa nada se o rei é um farsante ou lembrar-se que o próprio Deus chamou o diabo de rei deste mundo.

A necessidade de um certo Deus pode ser a razão de não acreditarmos em nenhum outro e de não termos religiosidade. O único Deus que me interessa é o Deus que não pode existir, pois sua existência contradiz o mundo que tenho diante dos meus olhos, repleto de sofrimento e dor. Este Deus existe apenas em um mundo possível, mas não no mundo real. O mundo real não lhe permite existir. Não pode haver, neste mundo, um Deus que queira fazer o bem e que não precisa do sofrimento para fazê-lo.

Se Nietzsche fosse o melhor jogador de futebol, todos saberiam disso. Se São Francisco fosse o melhor jogador de futebol do mundo, ele tentaria convencer a todos de que seria o pior.

Devemos tomar um certo cuidado quando falamos sobre "relacionamentos pessoais com Deus", pois podemos ser levados a cogitar que Deus tenha aparecido para Hitler e dito que ele deveria fazer todo o mal que ele fez e carregar a má fama que carrega, simplesmente para evitar um mal maior sobre o mundo. Hitler seria o maior de todos os santos? Na verdade, isso nos obrigaria a nem mesmo criticá-lo. Esta hipótese é muito mais bonitinha e muito mais favorável a Hitler do que a explicação naturalista. Entretanto, a simples ausência de evidência me leva a rejeitar isso. Em seguida isso me leva a rejeitar todo tipo de religiosidade me baseando no "significado metafísico".

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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Eu E Os Universais

Não posso acreditar na existência de um eu mais verdadeiro do que eu mesmo. Estou certo de que, apesar de ser apenas um, e ter apenas uma essência, existem vários eu's existentes em mundos possíveis. Já sofri várias mudanças na minha vida, apesar de ter em mente algo em mim que é inalterável. Devo dizer também que, apesar de minha particularidade, vejo-me obrigado a reconhecer a universalidade no meio disso tudo. Não há apenas um conceito para o "círculo perfeito", mas também um conceito que se refere a todos os "círculos tortos".

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sábado, 16 de novembro de 2013

Sobre A Melancolia Na Arte

O paraíso, como a Bíblia o apresenta em certos momentos, é um lugar que não tolera a tristeza. Certamente, melancólico como eu sou, eu não poderia ter espaço nele. Como eu poderia viver em um lugar onde não sentisse a mesma angústia que sinto ao assistir "A Lista de Schindler", meu filme predileto, ler "Noites Brancas" e ouvir "Meditação (Thais)"? O que seria da minha vida sem o choro e o ranger de dentes, sem as tragédias gregas, sem os cantos de lamentação, sem os salmos de desespero e desamparo, sem os poemas e poesias sobre amores não correspondidos, sem a vontade momentânea de cortar os pulsos? Qual é a graça de se ler "O Estrangeiro", "A Peste", "O Mito de Sísifo" e "A Náusea" em um lugar onde não podemos sentir o absurdo respirando em nosso cangote e nos rasgando aos pedaços? Nenhum, certamente nenhum.

É absurdo que as pessoas baseiam a sua moral em um livro que condena homossexuais, ateus e pagãos, mas que sequer cogita punir quem maltrata os animais ou se alimenta deles.

É ridículo ver alguém reclamar de um assalto, um ato arbitrário, e que defende um sistema onde o destino das pessoas está fadado ao seu nascimento.

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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Argumento Ontológico, Crenças Estereotípicas E Problema Do Mal

Digo que mesmo que a existência de Deus tivesse que ser uma verdade em todos os mundos possíveis, que isso ainda não implicaria em que ela seria de fato necessária, no sentido de ser impossível de se pensar o oposto, pois não é necessário que algum mundo exista. A lógica modal não pode ser reduzida à ideia de mundos possíveis, pois seria possível imaginar que não houvesse mundo algum, assim como seria possível a existência de um deus solitário sem qualquer interesse de criar qualquer mundo.

Dizer que deus, se existir, deve ser amoroso ou onipotente é como dizer que as listras negras sejam atributos necessários de uma zebra e que ela deixaria de ser uma zebra ao perder as listras. É o mesmo que dizer que negros são bons jogadores de basquete ou que humanos sejam pessoas. Mesmo que deus seja onipotente, a onipotência é, por si mesma, um atributo inútil em sua maior parte, pois não há necessidade de se ter tão exagerado poder para se viver.

Eu não sou essencialmente bom, ético ou amoroso, pois não deixaria de ser o que sou ao não ser nada disso.

Não há contradição entre a existência de Deus e o sofrimento no mundo. Mesmo que Deus seja o causador consciente e persistente de todo o sofrimento. Abraão não amava Isaque? Dom Quixote não amava o seu fiel escudeiro, o qual sempre vivia colocando em apuros? Penso que seja possível que um pai corte um filho em mil pedaços e faça isso com os mais sinceros sentimentos. Não me surpreenderia ao descobrir que o homem que mais me perseguiu durante a minha vida, e que mais tentou acabar com ela, seja o que me amou ao ponto de abrir mão da moral e que, vendo o meu sofrimento, cutucou a minha ferida por crer que isso acabaria por me garantir o paraíso. O amor pode se manifestar de várias maneiras e nem sempre tem a ver com uma tentativa de diminuir a dor. Estranhamente pode fazer exatamente o oposto, quando há uma ideia diferente de nobreza e virtude.

A moral secular é superior à moral religiosa em muitos pontos. Um deles é que ela se baseia em interesses humanos, pertencentes ao sensível. A moral religiosa, entretanto, se propõe a falar sobre os obscuros e inacessíveis interesses divinos.

O meu valor não está simplesmente no fato de eu ser humano. O que caracteriza um ser humano? Eu poderia, por meio de alguma experiência, passar a "morar" no corpo de um cachorro ou em um computador. Da mesma forma, um gato pode ser extremamente "humano". Se um ser humano é aquele que possui os genes humanos, eu deixaria de ser humano ao ter a minha mente transferida para um computador ou para algum "animal inferior".

Muito me incomoda o costume cristão de pedir a misericórdia divina. Se Deus realmente é misericordioso e imutável, não é preciso pedir para que ele seja aquilo que ele já é. É como pedir para que eu continue sendo homem e tendo uma cabeça, tronco, braços e pernas.

Se é compreensível que alguém estrague os sapatos tentando salvar um animal, é compreensível que alguém não queira matar animais para fazer sapatos.

Certamente há razões para o sofrimento. Entretanto, não há porque se pensar que tais motivos não causem, igualmente, sofrimento.

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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Aborto, Veganismo E Natureza Humana

Creio que há a necessidade de se fazer uma distinção entre aquilo que é humano e aquilo que é um ser humano. Humano é aquilo que pertence à espécie homo sapiens, o próprio homo sapiens, aquilo que possui os genes do homo sapiens. Ser humano tem a ver com personalidade, pensamento, mente, intelecto humanos. Um embrião humano é humano? Claro que é humano! Entretanto, jamais pode-se dizer que um embrião humano tenha direito à vida simplesmente porque é humano, pois todas as células do nosso corpo são humanas e ninguém sente constrangimento ao cortar o cabelo ou fazer as unhas. Mortos não deixam de pertencer à espécie homo sapiens simplesmente porque são mortos, entretanto, não são seres e não sendo seres, não podem ser considerados seres humanos. Um humano a dormir, no coma ou a ter alucinações é um ser humano, pois a mente de um ser não precisa gozar de perfeito funcionamento.

O homem não é essencialmente (por natureza) vivo, racional, moral nem pessoal, pois morre e não deixa de ser homem ao morrer. Dizer que o homem é por natureza uma pessoa é o mesmo que dizer que ele é por natureza um moribundo. É bonitinho, mas é superficialismo. Estar vivo, fazer uso da razão, ter consciência moral e possuir personalidade são simplesmente condições vivenciadas pela maior parte dos homens em algumas fases de suas existências, mas que não compõem todo o homem. Este também pode estar morto, com a sua mente debilitada pela idade, por algum acidente, drogas ou doença, com o corpo em processo de putrefação e sem qualquer conexão neural em seu cérebro. Como diz Peter Singer, nem toda pessoa é humana e nem todo humano é uma pessoa.

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