sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Trindade, Triteísmo E A Linguagem

Se eu fosse um cristão que acreditasse na divindade de Jesus e na pessoalidade do espírito santo, coisas nas quais penso que nenhum cristão deveria acreditar, certamente seria triteísta ou entenderia a unidade entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo como uma metáfora ou como uma unidade simples. De qualquer modo, eu rejeitaria totalmente a visão tradicional mística e ortodoxa. Tradicionalmente a teologia tem falado desta unidade da forma mais porca possível. Se temos três pessoas divinas, elas continuarão sendo três pessoas mesmo que concordem sobre todos os assuntos e se amem muito entre si. Se eu nasço no mesmo corpo que o meu irmão, posso dizer que, embora, sejamos duas pessoas diferentes, possuímos apenas um corpo. Mas se as pessoas da trindade não possuem um corpo físico, a analogia não se aplica a elas.

“Ser” é sinônimo de “pessoa existente”, ao contrario de “ente”, “pessoa teórica”. Deus, portanto, se trino, não é um ser, pois isso implicaria em dizer que ele é, ao mesmo tempo, uma e três pessoas. De fato seriam três seres. A trindade, entretanto, não pode ter nada de misterioso, pois o misterioso não existe. O misterioso é uma abstração sobre um fato desconhecido, não existe na realidade. Se Deus existe, ele deve ser algo e não pode ser visto simplesmente como uma abstração vazia, “incognoscível” e sem sentido. “Deus” ganha o mesmo sentido que “humanidade”, “classe operária”, “família”, “grupo”, “corpo escolar”. É apenas um plural como qualquer outro que conhecemos, sem mistério algum. Vale considerar que a relação entre os três lados de um triângulo e o triangulo é, por definição, necessária e indissociável, ao contrário da relação existente entre três seres contingentes, que poderiam não existir ou que um poderia existir independentemente do outro.

“Deus triuno” torna-se um conceito vago. Se fossem seis pessoas divinas, e não três, seriam dois deuses ou continuariam sendo apenas um deus? Isso quer dizer que se existisse apenas o Filho, ele sozinho não poderia ser Deus? Os monoteísmos puros mostram que podemos ter em mente algo bem diferente disso, pois neles “um deus” significa “uma pessoa divina”. Condenar o triteismo e acrescentá-lo à heresiologia, portanto, é, no mínimo, condenar alguém simplesmente devido ao uso semântico, o que é ridículo. “Deus” para o cristão ortodoxo significa “Pai, Filho e Espírito Santo”. Para o triteísta, entretanto, “Deus” significa “uma pessoa divina”, das três existentes. É questão de semântica. Não tem nada a ver com quem está certo ou errado. Cada um trabalha de acordo com o seu conceito. O trinitariano não pode condenar o triteista por não acreditar no “mistério” da trindade, pois não há mistério algum. Ele não pode dizer também que o triteista só deve crer em um Deus, pois isso leva-nos a perguntar novamente “o que é UM Deus?”. No triteismo adorar mais do que um Deus não implica necessariamente em idolatria, ou seja, adorar alguém que não faça parte do trio divino. Quando um triteista diz que apenas estas três pessoas são divinas, que são as mais santas, perfeitas, que possuem um mesmo propósito e que apenas elas podem ser adoradas ele está propondo uma ligação entre elas, assim como faz o trinitariano. Dizer que as três pessoas são “um Deus” é apenas uma das muitas formas possíveis de se fazer referência a tal ligação e, dependendo do que se entenda por “um Deus”, pode ser descartada sem nenhum problema.

Dizer, entretanto, que “Deus” significa “pai, filho e espírito santo”, e não “pessoa divina”, é, parece-me, fazer um uso estranho de linguagem e que fatalmente induz ao erro. Implica em dizer que Jesus não é Deus, mas apenas 1/3 dele. Abraão, segundo esta lógica, não era teísta, pois nunca ouviu falar de Jesus ou do Espírito Santo. Se apenas os que creem em Deus podem ser salvos, Abraão não poderá ser salvo, pois cria em outra terça parte apenas. Se apenas Deus é onipotente e Jesus não é Deus, Jesus só é onipotente se o considerarmos junto de seu pai e da terceira pessoa da trindade? Isso não é algo coerente. Acusar alguém por ser triteísta seria o mesmo que acusar alguém de ateísmo. Por outro lado, se Jesus é Deus e o Espírito Santo e o Pai também são deuses, são três deuses diferentes no fim das contas e não um. Mesmo que um trinitariano diga que Deus pode significar tanto “pessoa divina ”quanto “pai, filho e espírito santo” deve reconhecer que o triteísmo é verdadeiro quando se refere ao primeiro significado do termo e que é apenas uma questão de semântica.

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