Deus entrou no meu quarto, me olhou nos olhos, ficou calado por alguns minutos, arqueou a sobrancelha e entortou o canto direito da boca. Ele adora o lado direito. Pelo menos é o que dizem.
- Sabe quem eu sou? Eu sou Deus, o criador do céu e da terra!- disse ele. Rapidamente, sem ter tempo nem mesmo para tomar ar, eu curvei-me, coloquei a cabeça entre os meus joelhos e exclamei:
- Senhor, perdoe-me! Não sabia que se tratava de Deus! Tenha piedade do seu servo amado e fiel!
- Sim, amado servo. Pois mostrou grande humildade e as minhas misericórdias são infinitas. Lembre-se, entretanto, de sempre curvar-se diante de minha presença e, sempre que eu aparecer, glorificar-me e pedir a minha compaixão.
- E por que seria uma ofensa olhar diretamente para a tua face, Deus amado? Por acaso há maldade até mesmo nos olhos temerosos dos homens?- Eu perguntei, trêmulo, sem coragem de levantar a cabeça.
- Eu quero que me olhem e me contemplem, mas que sintam indignidade ao fazê-lo, porque realmente não possuem tal mérito. Demonstre receio de olhar-me toda vez e só olhe-me porque o permiti. Deus só se pode conhecer, se ele quiser se revelar.
Logo em seguida, ele saiu do meu quarto. Mas eu só percebi depois de algumas horas. Temia levantar os olhos ou fazer-lhe qualquer pergunta. Ao levantar-me, entretanto, a mesma imagem aparece e entra novamente pela minha porta.
- Santo e adorado, Senhor! Apenas tú és digno de todo louvor e de toda a glória! Não levantarei a minha cabeça, pois sou pecador e não o mereço contemplá-lo! Sou enormemente grato por ter a oportunidade de tê-lo aqui, em minha humilde casa!
- Sim. Servo fiel! Promete fidelidade a mim somente e rejeitas a presença de qualquer outro Deus?
- Certamente, Senhor! Pois é melhor um dia na tua presença do que mil em outro lugar. Pois todos os outros deuses são mentirosos e são feitos de barro, pedra e ferro. São obras das mãos dos homens!
Levantei minha cabeça e o vi, como antes, mas depois de fitá-lo voltei a colocar-me com o rosto em terra. As silenciosas horas que se seguiram fizeram-me pensar que outra vez ele tivesse se ausentado, mas levantando a cabeça, surge a encantadora luz que havia iluminado o meu quarto.
- Maldito! Pecador! Como ousa negar-me e adorar Satanás?! - Disse Deus, como voz de trovão.
- Senhor! Quando eu cometi tal pecado?! Mostra-me onde pequei, pois juro que não adorei a Satanás!
- Ele entrou neste quarto há pouco e você disse "Santo e adorado, Senhor! Apenas tú és digno de todo louvor e de toda a glória! Não levantarei a minha cabeça, pois sou pecador e não o mereço contemplá-lo! Sou enormemente grato por ter a oportunidade de tê-lo aqui, em minha humilde casa!" Como fazes isso, logo depois de aprenderes que apenas a mim deves adorar? Eis que Satanás entrou em teu quarto como um anjo de luz e tú o adoraste em meu lugar!
- Perdoe-me, compassivo senhor! Pois eu fui enganado e não sabia que Satanás estava a me enganar!
- Servo mau e infiel, dizes isso apenas quando estou presente? Por que não fizeste o que te ordenei quando havia me ausentado? Tarde é! Perdes-te tua chance! Irei aos meus anjos e voltarei apenas para castigá-lo por tamanha ofensa!
- Eu não sabia que era Satanás quem eu estava a adorar, Senhor! Sou homem! Como poderia saber, se tinham a mesma imagem?
- Não conheces o meu interior, mas apenas o meu exterior? Confundiste criador e criatura? Porque julgaste pela aparência fostes enganado! - Foi a resposta dura que deu antes de desaparecer saindo pela porta.
Depois de alguns minutos torturantes, quase tendo um infarto, aparece a mesma imagem.
- Perdoe-me, senhor! Eu disse que não sabia que era Satanás! Aliás, tú podes ser o próprio Satanás! Qual mensagem tú me trazes? Satanás se disfarça de Deus, mas ensina heresias! O que me trazes como nova mensagem?
- Eu não trago nova mensagem alguma! A única mensagem é que te prostes e me adores! Do contrário, estarás a deixar de adorar ao criador do céu e da terra!
- Eu sei que só devo adorar a Deus, mas como saberei que tú és Deus e não Satanás a me enganar?
- Pensas que tens autoridade de fazer um interrogatório a Deus e esperar resposta? Não! Eu, o senhor, não devo satisfação aos homens! Ajoelhe-se e me adore imeditamente ou sentirá a minha ira! - Sua voz era acompanhada por ecos que rasgavam os meus ouvidos e estremeciam o céu. "Prestarei contas depois com o outro. Adorarei a este que está diante dos meus olhos", pensei e o adorei.
- Não aprendeste nada do que te ensinei da última vez? Não tentes ao teu Deus! Mas o perdoarei e te darei a paz! - Disse ele, saindo do meu quarto com um ar de insatisfação.
Voltando-me para o outro lado do quarto sou surpreendido por uma vóz em tom alto, como um berro, e olhando para a porta, da qual eu havia desviado o olhar por alguns segundos, vejo um olhar irado e as sobrancelhas nervosas de um ser que pega-me pelos braços e arrasta-me para algo que diz ser o inferno.
- Eu disse que iria puni-lo se não me adorasse, não disse? Eis aqui o tormento eterno!
O tormento neste lugar era tão grande que eu era incapaz de pensar dentro dele. Refletir com tanto tormento era impossível! De qualquer modo, eu me acostumei com parte do sofrimento que se mantém há três decadas. O que posso concluir? Que quem me jogou no inferno é o Deus verdadeiro ou que este ainda irá voltar para me resgatar da tentação do demônio. A fé só não basta, pois não causa conforto. A fé no Deus certo é virtude, mas no Deus errado é um vício.
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