terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Vinícius e Mais Uma Falácia Imortalista

Uma objeção interessante foi levantada em um debate que tive ao defender o aniquilacionismo. Na verdade esta é uma objeção levantada por vários adéptos da teoria do tormento eterno:

"(O aniquilacionismo) aniquila o castigo. Deixar de existir é escapar da condenação pois você não sofrerá nenhum segundo como retribuição pelo pecado, apenas se livrará do sofrimento merecido. Você não sofrerá nenhum segundo por ofender a Deus, apenas se livrará deste sofrimento."

É interessante analisarmos que este outro argumento defendido pelo Vinícius e por outros adéptos da "churrascaria divina" apresenta o seguinte silogismo:

1. A punição dos maus consiste no tormento eterno;

2. O aniquilacionismo não implica em tormento eterno;

3. Logo, o aniquilacionismo não é uma forma de punição.

Ele nos apresenta um raciocínio absurdo, pois ao tentar provar que a proposta do aniquilacionismo implica em impunidade já possui a afirmação de que a doutrina do tormento eterno é a forma de punição pressuposta na primeira premissa, pois diz que "a punição dos maus consiste no tormento eterno" . Este é mais um argumento forçado para a existência do "inferno eterno", pois a premissa é pressuposta, não é justificada. Não pode-se concluir que o aniquilacionismo implica em impunidade devido o fato de negar o tormento eterno, sua visão de punição.

Fica óbvio que a primeira premissa é absurdamente falsa ou no mínimo injustificada quando notamos que alguém poderia também por exemplo, "provar" a existência de Cérbero mudando a primeira premissa para "a punição dos maus consiste em ser atormentado por um cachorro de três cabeças" e concluir que se não forem atormentados por um cachorro de três cabeças os pecadores estarão imunes à punição. Os pecadores destes imortalistas mostram-se irônicamente imunes também a Cérbero e se aplicarmos a mesma lógica a sua perspectiva do tormento eterno poderia ser tida como impunidade por não estar de acordo com uma visão de castigo onde Cérbero é a figura central, já que esta é teoricamente a verdadeira punição.

Inicialmente pode-se perceber que quem se baseia em tal argumento está cometendo uma falácia da falsa dicotomia, afinal o fato de dever existir um castigo para os perdidos não quer dizer que este seja necessariamente o tormento eterno. Existe também um salto enorme entre a primeira e a segunda afirmações. Não existe nenhuma motivação lógica para crer que a perpétua infelicidade seja a única ou até mesmo, a melhor forma de punição e uma grande motivação para crer que o aniquilacionismo é verdadeiro já que este implica na destruição final da imoralidade e em um mundo moralmente responsável e moralmente perfeito que se apresenta como uma descrição do caráter de Deus. É um grande erro inferir que dado o fato de que os maus merecem punição que "qualquer forma" de punição é moralmente aceitável.

Creio que não devemos confundir punição com sadismo. Seria um grande erro Deus não detruir o pecado somente para promover o sofrimento alheio. Como já havia dito não existe nenhum argumento filosófico que demonstre a necessidade essêncial de que o indivíduo sofra eternamente ou esteja em estado perpétuo de consciência para que a sua situação possa ser enquadrada como punição magna. Além disso, o sofrimento é uma entre tantas outras formas de punição, mas não a punição em si. Castigar uma pessoa matando-a sem provocar sofrimento não seria uma forma de punição se isto fosse verdade. Nós somente cremos que o tormento eterno seja uma consequência imediata e exata de pecados cometidos contra um Deus infinito porque assim aprendemos desde a infância e nada mais que isto, pois não concluimos logicamente a sua necessidade.

Em uma de suas tentativas de ultrapassar este problema o imortalista Vinícius alega que devido o pecado ser cometido contra um Deus infinito deve implicar em um juízo infinito e por isto consistir no tormento eterno, mas creio que exista um grande abismo argumentativo entre as suas duas alegações:

a) Pessoas pecaram contra um Deus infinito;

b) Logo, Deus deve provocar-lhes tormentos por toda a eternidade.

Parece-me que as pessoas tem errado feio ao crer que os maus "merecem" o sofrimento eterno quando todos (tanto os "bons" quanto os maus) não merecemos nem ao menos a pópria existência.

Por outro lado, não há nenhuma contradição explícita entre a alegação de que o aniquilacionismo é verdadeiro e a de que os maus serão punidos e cabe a quem defende o contrário sustentar o ônus da prova. Quanto a esta afirmação de que o aniquilacionismo não é uma forma de punição não creio que seja verdadeira, pois o aniquilacionismo possui implicação eterna, irreversível e uma perda infinita que é a perda da oportunidade de gozar da eternidade e da felicidade do Reino de Deus. Se Deus tem preparado para os seus eleitos um mundo onde existe uma glória inimaginável e infinita ser aniquilado sem poder participar disto e de Sua Presença é uma assombrosa punição. O fogo do inferno não faria a punição mais intensa, mas sim nonsense, pois se o inferno existisse o fogo que queimaria por séculos e séculos sem fim não passaria de mero detalhe inútil. Seria como um homem que perdeu a esposa em um acidente de carro. Se o seu carro estiver totalmente destruído isto não fará a menor diferença, pois ele perdeu a esposa amada. O fogo eterno do inferno seria o carro amassado. O problema do "inferno" não é o fogo que queima sem fim ou as trevas assombrosas que o cercam. O problema é que Deus não está nele para consolar e dar vida, amor e esperança. Este é o verdadeiro problema. Temos aqui pecados cometidos contra um Deus infinito sendo punidos com uma punição proporcional.

Jesus creio ser o maior exemplo a ser dado, pois pagou o preço pelos nossos pecados cometidos contra um Deus infinito. Sua punição, porém, não consiste em estar em perpétuo sofrimento e por isto deixa a tese proposta em frangalhos. Se a punição deve ser em qualquer caso o tormento eterno Jesus não pagou o preço pelos nossos pecados como realmente deveria. Ele esteve em um finito período de tempo sem desfrutar integralmente do Reino de Deus e Sua Divindade.

Ao dizer que perder a Deus e o Seu Reino não seria um motivo de dor para os perdidos é interessante entendermos que embora muitas destas pessoas não desejam desenvolver um relacionamento com Deus não pode-se negar que a pior coisa seria a Sua rejeição por parte do mesmo. Qualquer outro castigo que pareça ser mais doloroso para esta pessoa não supera o verdadeiro castigo tornando-se um castigo maior apenas aparentemente. Não estamos falando de qual é a maior punição aparente, mas qual é a maior punição factual. Um homem ao perder a esposa por tê-la traído pode sofrer mais com o fato de não ser mais financeiramente sustentado por ela do que perder a sua amada e um relacionamento construído durante muitos anos, mas isto não torna a segunda perda menor do que a primeira. A crença na existência de um "inferno eterno" tem portanto, nos impedido de enxergar a verdadeira perda magna. Podemos com isto concluir que o aniquilacionismo somente é uma punição altamente finita se o sofrimento físico e psicológico forem as únicas punições que temos em mente. Nosso conceito de punição deve ir muito além de "o que os olhos não vêem o coração não sente".

O cético Carl Sagan em seu célebre livro O Mundo Assombrado Pelos Demônios apresenta-nos um mito que creio que em certo sentido pode nos dar uma boa ideía da glória explendorosa que os santos irão gozar no novo estado e que os perdidos serão impedidos de abraçar:

"No solstício do Inverno, com o caminhar embalado pelo uivar dos lobos, dois homens chegaram a um buraco no céu.

Um pediu ao outro para o içar...

Mas o céu era tão belo que o homem que olhava por cima da beira esqueceu tudo, esqueceu o companheiro a quem prometera ajudar e, a correr, entrou em todo o esplendor do firmamento."


_

Nenhum comentário:

Postar um comentário